“My Índia… where Ganges, woods, Himalayan caves and men dream God.” (Paramahansa Yogananda)
A Índia é um portal que nos leva a muitas dimensões, através de gestos, formas, cores e sons, fora e dentro de nós mesmos.
Esse relato, sobre minha experiência em visitar a Índia, será feito em partes, de acordo com cada uma das viagens que fiz (2011, 2013 e 2016).
Como as experiências vividas foram muitas, levando um tempo para se assentarem dentro de mim, demorei para conseguir falar sobre elas.
Irei me concentrar em alguns fatos que me foram significativos pela forma que os vivi em suas intensidades. São momentos guardados em minha memória como joias preciosas.
Meu desejo de viajar para a Índia começou há muitos anos, quando morei em Londres e tive contato mais próximo com a cultura indiana.
A primeira tentativa de viajarmos para lá foi em 1994.
Com as passagens nas mãos e os hotéis reservados, eu e meu marido descobrimos que estávamos grávidos do nosso primeiro filho.
Como na Índia estava havendo um surto de alguma doença que nem me lembro mais qual era, fiquei impossibilitada de tomar as vacinas necessárias para a viagem. Decidimos não colocar a gravidez em risco. Viagem adiada!
Assim, ir à Índia se tornou um sonho esquecido por algum tempo.
Alguns anos mais tarde, em 2006, o encontro com o meu Mestre espiritual fez essa chama se acender novamente.
O sonho de visitar sua terra começou a crescer cada vez mais e, durante minhas meditações, eu colocava fortes intenções e vibrações para que esse dia chegasse logo.
O sonho se transformava novamente em um grande desejo, que foi tomando forma ao longo dos próximos anos.
Em minha primeira ida, fui acompanhada de meu marido e meus dois filhos, em dezembro de 2011, em comemoração aos meus 50 anos. Depois dessa primeira viagem, pude estar lá mais duas vezes.
Chegar à Índia é sempre um grande desafio.
A Índia é um portal, onde você é levado para outra dimensão.
Todas as vezes que cheguei lá fui rapidamente tomada, inundada por tudo que toca os meus sentidos… Suas cores, seus cheiros, seus sons, seus sabores… impossíveis de passarem despercebidos.
Há quem diga que, desde o momento em que você coloca o pé em suas terras, a Índia é um desses lugares que você ama ou odeia, não existe um meio termo.
Sei de pessoas que mal desceram no aeroporto e já voltaram para trás.
Mas eu me senti em casa! Lugar em que minha mente se acalma. Meu corpo sente profundamente o que chega pelos sentidos. E meu coração se alegra.
Um tempo vivo, em que o passado, guardado em suas experiências, descansa, o futuro chegará em algum momento e o presente é eterno!
A relação tempo e espaço acontece de uma forma muito particular, até então nunca experimentada antes por mim.
Já na chegada, no aeroporto de Calcutá, uma das cidades mais demograficamente densas, estava completamente vazio. Era madrugada.
Achei estranho. Olho em volta, procurando um relógio para saber as horas. O único relógio que encontrei, depois de um tempo, estava parado. E assim começa a nossa viagem, em um lugar onde o tempo e o espaço parecem ficar parados em um eterno presente.
Eu me sentia o tempo todo em estado de suspensão e elevação, em uma relação direta com o divino, que se apresentava para mim em tudo e em todos.
Sendo um país muito antigo, que passou por várias invasões, sua cultura foi construída por um sincretismo interessante.
Muito do que foi trazido por seus invasores foi assimilado, criando novidades e riquezas em suas várias filosofias, religiões, artes, culinárias, etc.
A Índia não é apenas um destino, é uma experiência ou melhor muitas experiências!
Ela é a unidade na diversidade e conhecer essa diversidade única é um grande privilégio.
Muitas foram as experiências vividas, muitos casos poderiam ser contados aqui.
Pensei: em que vou focar meus relatos? Difícil decisão, então, resolvi que me deteria em experiências que, na minha memória, ficaram gravadas como momentos mágicos, parecendo sonhos, quase não reais.
Primeira viagem (com a família – 2011/2012)
Vou contar sobre uma experiência vivida em Varanasi.
Varanasi é uma das cidades mais antigas, cidade do deus Shiva.
Acordamos no dia 31/12, às 5h15 da manhã, para navegarmos no Rio Ganges e ver o nascer do sol.
No barco, recebemos flores e velas para oferendas à Mãe Ganga, em agradecimento pelo dia que começava.
O rio Ganges é algo muito especial na vida dos indianos e muitas atividades são realizadas nele, principalmente no período da manhã. Pessoas se banham, escovam os dentes, tomam café da manhã, lavam roupas, vacas bebem água e muitos rituais, pela vida e pela morte, acontecem harmonicamente ali. Nas suas margens há crematórios, onde fogueiras queimam seus mortos. Muitos vão para lá para morrer, pois acreditam que assim não precisarão renascer nesse mundo de sofrimento.
Depois de nossa aventura no Ganges, nosso guia Pankaj nos surpreendeu com uma proposta. Ele gostaria de nos levar ao “Golden Temple”. Um dos doze templos mais famosos de Lord Shiva, onde apenas hindus têm a permissão de entrar, segundo ele. Muitos poucos turistas conseguem ir até lá, mas ele falava: “se vocês tiverem permissão de Shiva conseguirão”. Ficamos meio em dúvida se deveríamos aceitar sua sugestão, mas no final concordamos.
O lugar é muito bem protegido, ao seu redor guardas por toda parte. Fomos levados a um cômodo minúsculo em uma rua muito estreita. Um lugar bem estranho. Guardas pediram para revistar nossas coisas e que entregássemos nossos passaportes. Sumiram por uma porta com nossos documentos. Então, demoraram muitos minutos para voltar e, quando retornaram, trouxeram um livro grande, com uma capa de couro e bem grossa, parecendo muito antigo, com escritos à mão. Ficaram mais um bom tempo olhando as páginas e mais páginas, assim como nossos passaportes.
Finalmente, escreveram algo no livro e nos devolveram nossos documentos. Falaram para o nosso guia que tínhamos a permissão de entrar no templo. Pankaj alegremente nos diz que Lord Shiva havia nos concedido essa benção.
Tivemos que deixar todas as nossas coisas com os guardas: mais um stress. Mas tudo bem, vamos lá!
Estava muito cedo e muito frio e tínhamos de entrar descalços, pisando em uma água gelada e em um chão imundo. Nossa primeira pisada sem sapatos em solo indiano, o que depois se tornou rotineiro.
Para mim, tudo bem! Afinal, pudemos entrar e ser abençoados por Lord Shiva.
Compramos novamente flores e glóbulos de açúcar como oferenda.
Éramos os únicos não indianos lá dentro. Muitos devotos estavam apinhados com suas oferendas, debruçados sobre algo que parecia um poço para entregar o que haviam trazido. Dentro de tal espaço, havia um monge e um enorme Shiva Lingham. O monge pegava as oferendas, as abençoava e aleatoriamente devolvia aos devotos. Um ritual frenético no meio de muita gente.
Ficamos parados bem atrás da multidão, admirados olhando o que acontecia. Me chamou atenção um senhor muito idoso, encostado em uma das paredes ao meu lado. Ele fazia suas preces e cantos com enorme fervor e devoção, completamente absorvido em seu ritual de adoração ao Lord Shiva.
Fiquei completamente impactada por essa cena. Me arrepiei por inteiro e não consegui conter minhas lágrimas. Era algo belo e assustador ao mesmo tempo.
Nessa hora, abriu-se um espaço entre as várias pessoas ao redor do tal poço. Alguém me acenou com a mão, o que eu entendi como um sinal para que eu entregasse minhas oferendas. Só conseguia enxergar lá dentro, ainda sem saber direito o que devia fazer. Uma guirlanda de flores molhada de água e leite desceu pela minha cabeça e pelo meu rosto. Fiquei um pouco assustada com aquele líquido escorrendo sobre mim, mas tentei não me distrair e permanecer agradecida pelo que estava recebendo. Afinal, tinha tido a permissão de estar lá e recebido a benção de Lord Shiva.
Foi realmente emocionante estar ali, um lugar especial para tantas pessoas que devotam seu amor por Shiva!
Minha lembrança dessa experiência ainda não expressa de forma clara em palavras o que senti. Podem ter certeza de que foi algo sentido nas minhas entranhas e que está presente no meu corpo, mente e alma até hoje!
Om Namah Shivaya!
Jai Shiva!
Que relato emocionante, Sylvia! Que coisa abençoada ter tido uma experiência tão linda! Obrigada por compartilhar!
Obrigada querida D.Margarida, sao essas experiências que fazem a vida valer mais ainda a pena!💙😘