Por: Sylvia Sóglia
São Paulo, 07 de setembro de 2022
(200 anos de Independência do Brasil! Independência prá quem???)
“Quem elege a busca não pode recusar a travessia…”
Caros amigos do ”Caminho do Sertão”,
Escrever uma carta de afeto em punho foi um grande prazer e desafio…mas essa segunda, agora no mundo virtual não fica por menos.
Essa carta está sendo escrita como expressão dos vários afetos vividos, acolhidos, trocados e compartilhados com todes vecês que lá estiveram.
Não será nada fácil colocar em palavras o que vivemos intensamente nos nove dias que estivemos juntos.
No meu propósito em estar novamente em travessia como peregrina que sou, me juntei a vecês na busca de cura para o meu desencantamento pela vida e pela descrença nos seres humanos; depois do recolhimento dos dois anos do pandemônio que vivemos.
Um tempo difícil de reclusão!
Tivemos pela primeira vez que nos depararmos com a experiência de sermos todes colocados de frente, igualmente, diante da finitude da vida e de ter que lidar com a realidade de como quem estava no poder cuidava disso.
Tempos de travessia!
“(Entre) se vou além
Ave
Travessia”
O caminho do sertão, nos chega como um momento de celebração, num portal que se abriu de múltiplas possibilidades de estarmos novamente pulsando à vida!
“Ir para si do Sertão a Travessia”
Chegar em Sagarana demandou um certo trabalho que rapidamente foi compensado de maneira surpreendente na primeira noite por lá. Para mim foi um momento mágico em que tive certeza que eu estava no lugar certo, na hora certa e com as pessoas certas.
Karla Calasans, na dupla construção geodésica nos presenteia com sua linda e sensível poética teatral “Botões na rua”. Em sua luz e fios fomos transportados e convidados a fiar juntos novas histórias que ali começavam.
Uma bela tecitura, de um tecido complexo de várias tramas seriam fiados à partir daquele lugar.
Lugar esse, que para mim era a expressão de um templo sagrado.
Um templo instalado no meio do sertão de Sagarana, lugar de inspiração de muitas estórias de Guimarães Rosa. Não posso deixar de agradecer essa pessoa incrível, escritor iluminado e responsável por estarmos ali.
“Sagarana
Com garra e com gana
Se consagra a saga
à alma humana.”
Estar ali entre as pessoas, sons, luzes, cores e fios me causou espanto e encantamento.
Fui fisgada…assim o sertão se apresentou para mim no primeiro momento e muita coisa estaria por vir. Nesse primeiro olhar com o outro…”lugar de partida de quem deseja decifrar o mundo que vê…” (Eliana Brum) e o que se sente!
Fomos fisgados, nessa trama ativamos e potencializamos nossos afetados, fomos afetados e atravessados pelas experiências que o sertão nos proporcionou.
Sentidos aguçados em uma escuta sensível por todos nossos corpos, mentes e almas. Fomos nutridos de muitas formas, de olhares carinhosos, palavras gentis, abraços calorosos, música e poesia, muita água para matar a sede e muitas saborosas comidas para aliviar o cansaço.
Assim o caminho foi se revelando em partilhas, generosidades, confiança e pertencimento e muito cuidado com todes que ali estavam e com quem encontramos pelo caminho.
Meu companheiro constante e inesquecível dessa jornada foi “Encantado”, meu cavalo-cajado, que se fez presente e atento nos caminhos percorridos.
Encantado me acompanhou e me permitiu estar na confiança no fluir do que estava a minha frente. Me deu apoio nos momentos que me deparei com a desumanidade do agronegócio.
Me fez voar em momentos de belezas e levezas do caminho.
“Veredas violadas
Vertendo Encantos
Aondes Sertão”
E aí Karla Calasans novamente me alerta:
“…de repente, uma caliandra do sertão”, flor linda, vermelha e delicada em um solo árido, “soprou baixinho no meu ouvido, dizendo o Amor é a cura do mundo”.
Assim, o amor foi se mostrando em multiversos na potência do que vivemos em comum unidade (comunidade) e hoje, é o que me ajuda acreditar novamente que nem tudo está perdido.
E agora poetizo:
“Toda vez que dou um passo o mundo sai do lugar…
Travessia,
beleza existe na capacidade de adaptação do corpo, na abertura da mente e na alegria da alma,
pelos atravessamentos vividos por tudo que fomos tocados.
Sol
Poeira
Vários tons de areia…
Sons dos pássaros,
araras
das águas
veredas
buritis
verdes
fortes
encontro com o azul anil do céu
Sertão
Ser Tão
palavras
cantos
olhares
sorrisos
silêncios…
Em silêncio agora reverencio,
a reverência é a gente com a gente mesmo
Travessia de si mesmo!
Amor em expansão,
no Ser Tão.” (Sylvia Sóglia)
Espero que nessas palavras eu tenha conseguido expressar um pouquinho do muito que vivi com todes que estive e cruzei nesse caminho.
Por aqui é só gratidão e me despeço desejando que muitos outres possam ter essa experiência em que o Amor e o retorno a nossa humanidade traga cura para algumas de nossas muitas dores!
Sintam-se todes fortemente abraçados por mim!
Com amor,
Sylvia Sóglia