CHEGADA AO DESTINO
Enfim, tudo deu certo e chegamos a Nampula. Alguns trâmites no pequeno aeroporto se fizeram necessários e já dava para começar a sentir o que Moçambique traria para cada um de nós.
A rotina diária se estabelece em dias longos e de muito trabalho. Trabalho maior do que o físico era o emocional intenso.
Visitávamos comunidades, campos de refugiados e orfanatos. Lugares em que a dor não tem onde se refugiar.
Doenças, fome, calor, moscas, falta de água, falta de abrigo decente…
Mas, apesar de tudo, a vida não deixava de pulsar.
Vida e morte estão presentes, resistindo em cada rosto.
Momentos de alegria, sorrisos, conversas, cantos, danças, colos, troca de afetos. Sim, vivi o afeto que é revolucionário!
PEREGRINAÇÃO
Demorei um tempo para perceber que as viagens externas são apenas reflexos das viagens internas, que me conduziram a novas paisagens de mim mesma.
Me deparei com o conceito de peregrinação e descobri que esse é o tipo de viagem que realmente me interessa, onde o viajante é um peregrino.
O viajante/peregrino busca o encontro com quem ele é.
O caminho nada mais é do que ir em direção a si mesmo, ter um compromisso consigo mesmo.
“O pacto do peregrino é ser um caminhante capaz de sustentar a tensão entre o seu corpo e a sua alma.” (Nilton Bolder)
Tarefa não muito fácil, mas que pode ser sustentada nas constantes trocas e naquilo que é sempre nos oferecido como alternativa para novas experiências.
Nessa hora, temos que nos abrir e ter confiança na vida.
É não ter destinos, mas experiências.
Experiências que nos levem a lugares novos, novos olhares, sair dos olhares sedentários, do conhecido e do que é esperado.
É receber gentilezas e ser generoso consigo mesmo e com os outros.
ESPERANÇAR
Estava um dia fazendo uma roda com mulheres, conversando, dançando e cantando.
Jovens começam a se aproximar e a se juntar à roda.
Observo alguém me olhando intensamente. Nossos olhares se cruzaram.
Vejo que quem me olha é uma criança. Não consigo saber se é um garoto ou uma garota. Aos poucos, essa criança dá um jeito de ir mudando de lugar na roda até chegar até mim.
Esperança pegou na minha mão e perguntou se eu queria ser sua amiga.
Sim… Esperança, era o nome da garota. Pelo seu tamanho e constituição física, parecia ter uns 9 anos, mas era bem mais velha.
Esperançando, Esperança chegou e me levou para um novo lugar, onde o desalento e a descrença haviam se refugiado.
Não me contive, lágrimas escorriam pelo meu rosto, solucei e Esperança apenas me olhava ternamente segurando na minha mão.
Jamais imaginaria que Moçambique me traria de volta o que eu havia perdido naquele ano de 2019: a esperança na vida.
Ficamos de mãos dadas por muito tempo, descobrindo novas paisagens, possibilidades em um lugar em que a vida pulsa ‘mais forte que o sol’ e o ‘afeto é revolucionário’.
E mais do que nunca, percebi que quando lutamos por uma causa não deixamos de ter esperança.
Nesses tempos atuais em que vivemos, temos que nos lembrar desses momentos em que a esperança não nos abandona e sim nos penetra.
Aproveitemos a quarentena e o isolamento para refletir como podemos colaborar na construção de um mundo melhor. Como escreveu Paulo Freire, um mundo… “menos feio, mais justo, menos malvado e onde fosse menos difícil amar.”
Convido a todos a Esperançar!